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Foto: FIMUV 2024
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“Felizmente Há Luar” no Grande Auditório do Europarque

“Felizmente Há Luar” no Grande Auditório do Europarque

“Felizmente há luar” parte do texto teatral de Luís de Sttau Monteiro, acrescenta-lhe música composta por Alexandre Delgado e, ao reunir em palco mais de 70 músicos e cantores-atores, transformou-se na ópera de referência sobre o 25 de Abril. A digressão nacional do espetáculo produzido pela Orquestra Filarmónica Portuguesa termina no FIMUV, no próximo sábado, e revela assim no Grande Auditório do Europarque, em Santa Maria da Feira, como uma peça teatral incomodou a Ditadura.

Uma ópera extraordinária”, “a mais significativa estreia de ópera nacional dos últimos anos”, “talvez a obra nova mais importante a surgir este ano”. É nestes termos que a plataforma online OperaWire descreve “Felizmente há luar”, a ópera produzida pela Orquestra Filarmónica Portuguesa (OFP) para assinalar os 50 anos do 25 de Abril e que no próximo sábado, pelas 21h30, sobe ao palco do Grande Auditório do Centro de Congressos Europarque, em Santa Maria da Feira, no âmbito da programação do 47.º FIMUV – Festival Internacional de Música de Paços de Brandão.

 Perante uma plateia de 1.400 lugares a preços dos 12 aos 18 euros, o espetáculo encerra uma digressão nacional que já passou por Braga, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Guarda e Lisboa, e que em todas as salas comoveu uma plateia que Augusto Trindade, diretor artístico do FIMUV e cofundador da OFP, viu “comovida por uma história cheia de duplos sentidos, com várias camadas de significado”.

 À superfície, a narrativa segue o enredo da peça homónima publicada por Luís de Sttau Monteiro em 1961, sobre personagens do tempo das lutas liberais contra a dominação inglesa, na primeira metade do século XIX. Conta como o general Gomes Freire de Andrade, altamente condecorado pela Coroa Portuguesa, foi condenado à morte por conveniência política, servindo como bode expiatório da revolta liberal de 1817.

 A um segundo nível, o que Sttau Monteiro pretendia com essa história era criticar António Salazar e o seu regime ditatorial. A dissimulação não passou, contudo, no crivo dos censores da época, que proibiram a encenação da peça, perseguiram o seu autor e acabaram por prendê-lo em 1967, pelo acumulado de obras com mensagem antirregime. “Felizmente há luar” só pôde ser levada à cena em 1969, quando teve a sua estreia em Paris, e subiria pela primeira vez a um palco português apenas em 1975, já após a Revolução dos Cravos.

 Ao apreciar-se a ficha técnica da ópera, chega-se então a um terceiro nível de significado: o libreto musical foi composto por Alexandre Delgado, neto de Humberto Delgado, para sempre conhecido na História de Portugal como “o general sem medo”, por ter sido o mais convicto dos opositores ao Estado Novo e nessa luta ter perdido a vida, assassinado numa emboscada pela então polícia do Estado.

 Mais de 20 anos depois da última encenação operática no Europarque, “Felizmente há luar” propõe assim uma reflexão sobre liberdade, poder, coragem e resistência. Para materializar essa análise, estarão em palco cerca de 50 músicos da OFP, conduzidos pelo maestro Osvaldo Ferreira; 10 atores e cantores líricos, sob a direção do encenador Allex Aguillera; e cerca de 10 cantores do Coro ProART, orientado pela maestrina Filipa Palhares.

 “Apreciando todos estes múltiplos contextos, fica claro que estamos perante uma obra maior da cultura portuguesa”, defende Augusto Trindade. “Quando encomendámos esta ópera ao Alexandre Delgado, queríamos assinalar o meio século da Revolução e da Democracia, e o que conseguimos foi muito mais do que isso – conseguimos não só homenagear o passado e quem lutou pelo que temos hoje, mas também gerar uma reflexão sobre a sociedade atual, que está novamente a enfrentar sérias ameaças à sua liberdade e ao seu espírito de fraternidade”.

Música “melodicamente vigorosa”, ação “engenhosamente encenada”

 Como disse o crítico Ching Chang na OperaWire, “esta nova ópera tem o benefício de uma perspetiva pós-revolucionária”, dissipando alguma da melancolia da narrativa com a música de Alexandre Delgado, “melodicamente vigorosa, surpreendentemente rítmica, num movimento contínuo e inquieto”. O maestro Osvaldo Ferreira, por sua vez, conduz “uma leitura enérgica e de uma fluidez convincente, apresentando uma orquestração altamente original”.

 “Engenhosamente encenada pelo veterano encenador de ópera Allex Aguilera num cenário minimalista”, a produção brilha com “a voz cremosa” da soprano Sílvia Sequeira, o “belo lirismo e autoridade” do tenor Carlos Guilherme, o “vocalismo incisivo” do barítono Tiago Amado Gomes, o tom “potente do prodigioso baixo-barítono” André Henriques, o “som límpido e de extrema sinceridade” da soprano Raquel Mendes, a “comovente e profunda interpretação” do barítono Christian Lujan e “o lirismo polido” do tenor Pedro Cruz.

 “Mas talvez um dos elementos mais notáveis ​​desta ópera”, continua o crítico, “sejam os refrões assustadoramente belos que Delgado escreveu para a obra. A escrita coral de Delgado é surpreendentemente intensa e exigente, ao mesmo tempo texturada e sustentada, (…) e o Coro ProART, preparado pela maestrina Filipa Palhares, enfrentou os desafios do trabalho com determinação e à-vontade”.

 O balanço da OperaWire é que, embora óperas sobre temas nacionalistas sejam muitas vezes desafiantes para públicos estrangeiros sem uma compreensão histórica adequada do tema em análise, “a potência e a universalidade dos temas apresentados em ‘Felizmente Há Luar’ podem muito bem justificar uma encenação internacional desta obra, nestes tempos do mundo”.